Um caso e uma reflexão
Há algumas semanas, antes de começar uma viagem de estudo e trabalho de seis meses na Europa, meu filho e sócio Ignacio decidiu abrir uma conta bancária na Europa para transferir-lhe fundos desde Uruguay e operar com ela durante esse período. Ele escolheu a FinTech Revolut (www.revolut.com) fundada em Londres durante 2014 por Nikolái Storonski e Vlad Yatsenko, que atualmente é uma das FinTech de maior crescimento no mundo. O processo de “onboarding”, como é habitual em todos os bancos digitais, foi muito simples e rápido, e naturalmente totalmente online.
Antes de viajar Ignacio realizou duas transferências internacionais desde uma conta em Euros que ele possui num conhecido banco de Montevidéu (Uruguai): a primeira para uma conta de um banco espanhol tradicional para realizar o depósito de garantia de aluguel de um apartamento que será sua moradia e base de operações durante os próximos meses, e a segunda para sua conta em Revolut por um valor inicial de mil Euros para testar o funcionamento desse mecanismo. A transferência ao banco espanhol tradicional chegou sem problemas no prazo habitual, enquanto a transferência para sua própria conta em Revolut nunca chegou, e, após reclamar ao banco emissor, ele foi informado que a transação não seria realizada e que os fundos seriam devolvidos à conta de origem, sem proporcionar explicações razoáveis para tal comportamento. A opacidade demostrada nesta transação e sua posterior reclamação não nos permitiram saber com certeza quem exatamente declinou processar uma transação que, evidentemente era legítima e ordenada pelo titular genuíno das duas contas. A solução momentânea foi abrir uma conta num banco tradicional espanhol, já estando em dito país.
¿Guerra suja?
Hoje eu li uma matéria publicada na revista digital “Global Banking & Finance Review” que podem ler em https://www.globalbankingandfinance.com/customer-retention-in-the-digital-age-how-tech-helps-banks-stay-competitive/ da qual reproduzirei os primeiros dois parágrafos (em tradução livre), porque fez-me lembrar o incidente de Ignacio com Revolut:
“As fintech estão revolucionando a indústria dos serviços financeiros, o que faz com que os bancos tradicionais tenham dificuldades para seguir o tranco. Desafiadores como Monzo e Revolut lideram a corrida, e alguns experts acreditam que eles poderiam inclusive superar os bancos estabelecidos.”
“Isto não é uma notícia nova; Deloitte afirmou em 2014 que os desafiadores corroerão as vantagens competitivas dos bancos tradicionais. O CEO de Revolut incluso previu o fim dos bancos convencionais nos próximos cinco anos. Mas eles conseguiram manter-se firmes até agora. A pergunta é, por quanto tempo?”.
Ignacio e eu não ignoramos que o explosivo crescimento de Revolut não esteve livre de controversas, mas a falta de transparência para que “alguma entidade financeira do circuito internacional” se negara a executar uma transação nitidamente legitima, sem dar qualquer explicação razoável, nos leva a nos perguntar se tal comportamento não será parte de um boicote à Revolut (e por extensão às FinTech similares?) como resposta ante um concorrente que lhe está disputando com sucesso o mercado aos bancos tradicionais.
As FinTech estão substituindo a banca tradicional?
Muitos autores afirmam que as FinTech estão substituindo a banca tradicional, apoiando-se em seu pessoal jovem e altamente qualificado. São bancos 100% digitais (também conhecidos como “novos bancos”) que se caracterizam por sua transparência, pela personalização de seus serviços, menores custos, e produtos inovadores e muito focados no usuário. O foco das FinTech é o cliente, enquanto na banca tradicional o foco era o produto.
Já em 2019 no seminário “Finanzas Digitais: A Importância do Fintech” (EALDE Business School), o autor Francisco Javier Moreno mencionava que um de cada três clientes da banca tradicional usava como banca paralela uma FinTech, o que provocou que entre 2013 e 2017 o investimento nas FinTech se multiplicara por seis, apesar que este novo ecossistema estava ainda numa fase embrionária.
A maioria dos consumidores e clientes de serviços financeiros progressivamente foi assumida por pessoas jovens das gerações X e Y, com hábitos de vida e consumo diferentes aos da geração “baby boomers”. Estes novos clientes foram empoderando-se cada vez mais, exigindo do mercado o respeito pelas suas preferências e premiando com sua preferência àquelas empresas que entenderam essa mensagem e a acataram, independentemente de tratar-se de incumbentes ou de startups do tipo FinTech.
As que entenderam essas mensagens e enxergaram a oportunidade de disputar um mercado em processo de transformação profunda, foram precisamente as FinTech, passando a oferecer serviços e produtos inovadores, com alto valor para os “novos clientes”, diferenciando-se da banca tradicional mediante uma série de vantagens, como:
- Muito menor custo de operação, o que lhes permite oferecer aos consumidores serviços financeiros mais econômicos.
- Produtos e serviços inovadores, intuitivos e fáceis de utilizar, melhor adaptados às preferências das gerações X e Y.
- Maior transparência, proporcionando informação mais detalhada aos clientes.
- As FinTech são mais modernas que a banca tradicional, têm menor estrutura e muito talento de pessoal jovem.
A história se repete?
A Universidade de Harvard reconheceu o filósofo e empresário Honosuke Matsushita como o melhor empresário do século XX. Nos anos 80 ele foi convidado a participar num foro empresarial nos Estados Unidos de América, onde ele pronunciou um lembrado discurso, que ainda hoje se considera um verdadeiro curso de gestão moderna. Numa parte de sua intervenção, os empresários americanos lhe perguntaram quem iria vencer a batalha da gestão empresarial (entre USA e Japão) e a seguir eu reproduzirei uma parte da resposta de Matsushita.
“Lamento dizer-lhes que, se não mudam vossa forma de pensar, nós vamos vencer e vocês vão perder. Não há muito que possam fazer, porque para isso primeiro devem mudar, porque a razão de vosso fracasso está em vocês mesmos.
Vossas empresas estão construídas sob o modelo de Taylor, pior ainda: também vossas mentalidades. Os líderes pensam, enquanto aos trabalhadores só se lhes permite utilizar ferramentas, e o pior é que vocês estão convencidos de que essa é a melhor forma de conduzir uma empresa.”
“Para vocês, a essência da administração de empresas consiste em extrair as ideias que os executivos têm nas suas mentes e ordenar aos trabalhadores que as executem.”
“Nós deixamos para atrás o modelo de Taylor. Aprendemos que os negócios são mais complexos e difíceis, e as companhias lutam diariamente por sobreviver num ambiente perigoso e sem qualquer predição válida, competitivo e rodeado de riscos; sua contínua existência depende da mobilização diária de até a última grama de inteligência humana disponível na empresa.”
“Para nós, o coração da administração é precisamente a arte de mobilizar e empurrar todos juntos os recursos intelectuais dos empregados à serviço da companhia. Por isso os escutamos constantemente e o que eles nos dizem o aplicamos em nossas decisões.”.
A resposta e o discurso de Matsushita são extensos e muito esclarecedores, mas sua reprodução completa excede o objetivo desta matéria. Meu objetivo é simplesmente usar esse exemplo para mencionar que, assim como Honosuke Matsushita disse aos empresários norte-americanos que, se eles não mudavam sua mentalidade e sua forma de administrar suas empresas, sucumbiriam ante aqueles que já o haviam feito, os bancos tradicionais que não percebam urgentemente as mudanças nas demandas do mercado e seus inevitáveis impactos de transformação de seus processos, produtos, serviços e estratégia, sucumbirão ante as FinTech que rapidamente souberam “ler” esses sinais.
O crescimento das FinTech em todo o mundo é exponencial. Existem bancos digitais ou “novos bancos” em todos os países do mundo, e eles lhe estão disputando o mercado aos bancos tradicionais, os quais têm várias opções, como adaptar seu modelo de negócio, ou inclusive aliar-se com alguns dos atores emergentes. Alguns dos maiores bancos apoiam as FinTech com financiamento, e às vezes diretamente as compram, evitando assim um concorrente e aportando mais valor ao seu negócio. Todas essas opções são válidas, diferentemente de tentar boicotar os novos concorrentes, o que equivaleria a tentar “tampar o sol com uma peneira” e seria repetir a história das empresas taylorianas do século XX que não souberam mudar sua mentalidade.
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